A construção de mercados sustentáveis na Amazônia

Oportunidades para o reconhecimento financeiro da proteção ambiental a produtores da sociobiodiversidade são apresentados em evento na COP 30

Por Dafne Spolti | OPAN

Os resultados sobre o manejo de pirarucu, as perspectivas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e estratégias de comercialização justa por estabelecimentos privados foram apresentadas na COP 30 durante o evento “Sociobioeconomia e Serviços Ambientais: Construindo Mercados Sustentáveis para a Amazônia”. A atividade foi realizada dia 11 de novembro, no Action on food hub Pavillion, na Zona Azul, pelo instituto Uma Concertação da Amazônia, Instituto Fronteiras para o Desenvolvimento, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Coletivo do Pirarucu e Operação Amazônia Nativa (OPAN).

Com o manejo de pirarucu, cerca de 5 mil pescadores protegem uma área de 15 milhões de hectares no Amazonas. A atividade garantiu o aumento da quantidade de peixes em quase cinco vezes desde que foi iniciada em 1999. “Nos quatro cantos do mundo a megafauna está declinando e se extinguindo. Este é um dos exemplos mais positivos de conservação onde as comunidades locais estão trazendo uma espécie de grande porte de volta”, afirma o pesquisador João Campos-Silva, presidente do Instituto Juruá, evidenciando, ainda, o aumento de outras espécies nos lagos manejados.
 
Além da conservação, os recursos que chegam às comunidades em uma única vez se revertem em melhorias da qualidade de vida dos manejadores em projetos de educação, saúde, comunicação e energia elétrica, por exemplo. Hoje, até mesmo o acesso a serviços de saúde ganhou melhores condições por conta do manejo de pirarucu. “Só no ano passado, no Juruá, teve uns três ou quatro casos de câncer e ataques cardíacos em que as pessoas estão tendo a dignidade de ir pra Manaus pra receber um tratamento”, conta o pesquisador, refletindo que alguns anos atrás essas pessoas provavelmente não teriam um tratamento adequado.

Burnout da conservação

Os benefícios ainda não caminham, contudo, com o valor financeiro justo diante do trabalho que é realizado pelos manejadores. “Enquanto tudo está aumentando, o poder de compra dos consumidores está reduzindo em torno de 43%”, explica João Campos, informando que o peixe que é comercializado por R$ 6,00 deveria ser vendido a R$ 17,00 o quilo, considerando a inflação.

O pesquisador João Campos-Silva (Instituto Juruá) durante evento na COP 30. Foto: Dafne Spolti/OPAN


A proteção ao meio ambiente feita pelas comunidades com o manejo, que tem a vigilância dos lagos como parte do trabalho, significa economia aos cofres públicos. Para manter o ambiente livre de garimpo, extração ilegal de madeira e de caça predatória, o custo de proteção por hectare é de R$ 4,75 quando feito pelas comunidades, enquanto se fosse um custo assumido pelo governo, seria de R$ 65,50. Porém, isso também significa para os manejadores sobrecarga pela necessidade de cuidados com os territórios sem condições adequadas.

“Oburnout não está apenas na academia, nos trabalhos governamentais, nos trabalhos empresariais: está também está na saúde mental das lideranças que a todo momento lidam com uma pressão muito grande de proteger seus territórios e não tem caminhos possíveis para lidar com isso”, afirma o pesquisador, completando que existe uma necessidade imperativa de desenvolvimento de mecanismos para gratificar essas comunidades pelo esforço que têm feito e para evitar o que se chama de “burnout da conservação”.

O PSA e estratégias para o mercado dos produtos da sociobiodiversidade

Como forma de reconhecimento financeiro e visando fortalecer os manejadores de pirarucu, está em processo de construção um projeto piloto de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que pode se tornar referência para outros produtos da sociobiodiversidade. A iniciativa foi apresentada pela diretora do Departamento de Estímulo à Bioeconomia, Bruna de Vita, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Além de políticas públicas voltadas ao reconhecimento das comunidades, há possibilidade de maior investimento no mercado privado para que as cadeias produtivas da sociobiodiversidade, entre elas o manejo de pirarucu, sejam aprimoradas. A diretora programática associada do Instituto Fronteiras do Desenvolvimento, Beatriz Duarte, apresentou o trabalho que realizam, com foco no elo da comercialização, que se conecta tanto aos produtores, quanto aos consumidores.

“Para conseguir estimular esse elo da comercialização e para que ele se torne e promova esse ciclo virtuoso que a gente menciona, é preciso trabalhar muito próximo a ele”, avalia, ressaltando a necessidade de sensibilização dos comerciantes. “A gente precisa mostrar quais são os benefícios em comercializar alimentos da sociobiodiversidade, o que tem por trás de uma comercialização e de uma produção desses alimentos. O que ele está apoiando quando ele comercializa esse alimento”, afirma Beatriz.

Após a sensibilização, uma segunda etapa é o trabalho conjunto com os atores desse elo da comercialização, visando que se desenvolvam práticas de comércio justo com os produtores a partir das especificidades de suas realidades.

Uma outra ação é a de comunicação com os consumidores finais, pensando em engajamento para a aquisição dos produtos. Essas orientações estão sistematizadas em guias disponíveis no site do Instituto Fronteiras do Desenvolvimento, em que é possível conhecer as melhores práticas que os estabelecimentos podem adotar para um comércio justo e transparente de alimentos orgânicos e agroecológicos.

“É interessante a gente visualizar que essa característica de apoiar o elo da comercialização tem uma via de mão dupla e ela precisa envolver todo o ecossistema. Precisa envolver os diversos elos da cadeia de valor num grande fortalecimento das relações dos diversos atores”, afirma Beatriz.

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